PARA PARAR COM A ADRENALINA E REENCONTRAR O EQUILÍBRIO

ENSINANDO A VIVER

Entrevista: CHERYL RICHARDISON à Antonio Gonçalves Filho

Revista ÉPOCA

A mais badalada personal coach americana diz o que é preciso parar com a adrenalina e reencontrar o equilíbrio.

O grande desafio do homem moderno tem sido o de conciliar sucesso profissional e qualidade de vida. Cuidar da saúde, diminuir o estresse, ter mais tempo para a família e divertir-se mais são as metas que parecem distantes para a maioria. Não para a 'personal coach' número 1 dos Estados Unidos, Cheryl Richardson, autora do best-seller "Sua vida em primeiro lugar", que chegou ao primeiro lugar na lista do New York Times e está sendo lançado no Brasil pela editora Sextante.

Espécie de treinadora pessoal que ensina adultos a cuidar da vida financeira e emocional, Cheryl trabalhava há 15 anos como consultora do Imposto de renda quando percebeu que seus clientes estavam à procura de um ouvinte atento que os ajudasse a tomar decisões importantes. Criou, então, um programa de treinamento para ajudá-los a definir prioridades e planejar o futuro como uma babá ajuda nenês a crescer. A seguir, ela fala um pouco sobre seu método.

ÉPOCA - Em Sua Vida em Primeiro Lugar a senhora enumera diferenças entre um personal coach e um terapeuta, afirmando que o primeiro é como um personal trainer atento à vida presente do cliente e apto a planejar seu futuro. O personal coach não é também um terapeuta?

Cheryl Richardson - Há uma diferença fundamental entre as duas atividades. 'Coaching' é uma ação orientada, que focaliza a vida presente do cliente em busca de uma mudança. O personal coach traça esse plano de ação para guiá-lo em suas atividades básicas. A terapia é um processo orientado, que lida com a vida interior e os problemas emocionais do cliente. Não é incomum que eu encaminhe alguns deles para profissionais da área, que acabam indicando meu nome para outros clientes quando percebem que a pessoa precisa apenas de treinamento. Um bom personal coach, ou seja, o treinador pessoal, precisa conhecer seus limites.

ÉPOCA - O desemprego é um fenômeno mundial. Que conselho a senhora daria para um homem de 50 anos que perdeu o emprego e não consegue arranjar outro?

Cheryl - Tenho dedicado boa parte do meu tempo a clientes nessa faixa de idade. Assim, estou familiarizada com os problemas que alguém de 50 ou 60 anos tem para encontrar um novo emprego numa situação como a atual. Em primeiro lugar, se essa pessoa não tem condições financeiras de contratar um treinador pessoal, sugiro que procure um amigo que tenha passado pela mesma experiência. Isso é particularmente difícil para os homens, mais resistentes a pedir ajuda. O estado emocional do cliente é muito importante nesse período. Embora possa sucumbir à desesperança, eu o encorajo a prestar atenção às suas crenças. Por exemplo: se você acredita firmemente que não vai mais encontrar emprego, é bem provável que acabe provando a si mesmo estar absolutamente certo. Você precisa, então, considerar a possibilidade de se tornar autônomo, usando sua habilidade como freelance. Outra possibilidade é arrumar um trabalho temporário para equilibrar as finanças até conseguir uma posição mais confortável e sólida.

'Toda escolha é a certa quando cultivamos a sabedoria interior e nos submetemos a um treinamento que começa com as escolhas banais, desde o que se come até a hora certa de dormir'

ÉPOCA - Em seu livro, a senhora recomenda que as pessoas prestem atenção aos sonhos e perguntem se estão fazendo as melhores escolhas em suas vidas. É de fato possível saber se a nossa é a escolha certa?

Cheryl - Sim. Acho que é possível ter a convicção de ser a sua a escolha certa quando se cultiva a sabedoria interior, a intuição. Prestar atenção aos sonhos é apenas um meio de desenvolver essa conexão íntima. Escrever um diário ou ter um livro de anotações, falar com um amigo confiável sobre seus sentimentos ou meditar são outros mecanismos para desenvolver essa relação. Temos de nos submeter a um treinamento para buscar respostas em nosso interior. Ele pode começar no dia-a-dia, escolhendo desde o que se vai comer até a hora em que descansar, recusar um convite ou cuidar de si mesmo. Simplesmente ao fechar os olhos, respirar profundamente ou perceber como nos sentimos ao tomar uma decisão, já passamos a fazer escolhas de dentro para fora. Num curto espaço de tempo estaremos confiando em nós mesmos.

ÉPOCA - Listas parecem ter um importante papel em seu método de treinamento. A senhora recomenda que o cliente faça uma lista de prioridades, outra de suas atividades diárias e ainda mais uma colocando-se como prioridade absoluta. Afinal, o homem moderno perde tempo com coisas sem importância?

Cheryl - Estou segura disso. Perdemos tempo porque nunca paramos para identificar nossas verdadeiras prioridades. Essas listas e exercícios que recomendo pretendem ajudar o leitor a destacar o que é importante para desenvolver uma estratégia que respeite essas prioridades no cotidiano. Se tivesse de resumir meu livro, não escolheria sete, mas cinco prioridades, porque a maioria das pessoas são tão ocupadas hoje em dia que não dão conta nem das cinco.

'Nós, americanos, tentamos preencher uma lacuna espiritual com bens materiais, o que não funciona. Essa foi uma crença incentivada pelo capitalismo, mas é preciso renunciar ao consumo'.

ÉPOCA - Talvez essa desatenção seja motivada pela falta de energia, palavra repetida incessantemente em seu livro num contexto crítico ao hedonismo moderno. Em sua opinião, a crise mundial tem algo a ver com ausência de espiritualidade?

Cheryl - Sim. A base de minha vida e de meu trabalho profissional é a espiritualidade. Freqüentemente, ao trabalhar com clientes, sinto um poder divino ajudando-os a cuidar de si, de sua família e de seus empregados. Eu mesma experimentei essa força. É importante notar que a forma mais comum de se conseguir energia num mundo agitado como o nosso é estabelecer limites entre o que se quer e o que não se quer. Muitos de nós tentamos fazer coisas para as quais não estamos física ou emocionalmente preparados. Repetidas vezes fui acusada de incentivar pessoas ao egoísmo, o que me levou a alterar esse discurso. Hoje recomendo que elas sejam, sim, egoístas com 'e' maiúsculo. Acredito num princípio espiritual que, ao cuidar de você, automaticamente você está cuidando do próximo. Ao seguir as estratégias contidas em meu livro, você ficará mais receptivo ao outro, esquecendo todo ressentimento.

ÉPOCA - Alguns de seus conselhos parecem utópicos numa era marcada pelo individualismo e pelas injustiças de um mercado que reduz pessoas a meros consumidores. Não é perigoso recomendar que elas dediquem tempo a seus prazeres e respeitem seus sonhos num sistema econômico que confunde sonho e consumo?

Cheryl - Sim, de fato acredito ter o capitalismo contribuído para a crença que nossa alegria vem daquilo que adquirmos, especialmente nos Estados Unidos. Muitos de nós, americanos, tentamos preencher essa lacuna espiritual com bens materiais, o que não funciona. Raramente uso a palavra sonho para descrever metas ou desejos de meus clientes. Ao contrário, penso nos desejos como prioridades máximas, lembrando que, no fim da vida, o que conta mesmo é quem amamos e quem nos ama. Faço questão de reafirmar que bens materiais não trazem felicidade e têm vida curta. O problema é que muitos temem encarar o medo de aborrecer os outros com essa indiferença. Não querem encarar o desafio de dizer não e sentir o desconforto de renunciar a uma vida orientada pelo consumo. Afinal, no começo, ela pode ser, sim, muito aborrecida.

'Já fui acusada de incentivar o egoísmo, mas acredito num princípio espiritual: ao cuidar de você, estará automaticamente cuidando do próximo, tornado-se mais receptivo e semelhante'.

ÉPOCA - Relaxamento e meditação são duas palavras mágicas que surgem como remédios em seu método. Como a senhora convence executivos que vivem às voltas com a Bolsa de Valores a relaxar e meditar?

Cheryl - A beleza de minha atividade é que jamais tenho de convencer ninguém a fazer nada. A maioria dos clientes já concluiu que sua vida não está funcionando muito bem. Esses clientes estão famintos de estratégias nutrientes para a alma. Ao final do treinamento, o executivo vai perceber que eu o ajudei a organizar sua vida financeira como um ato de auto-ajuda espiritual. Isso não é mágico. É um ato concreto de aproximação respeitosa dessa alma que quer apenas paz e bem estar. Jamais recomendaria a um executivo estressado que praticasse relaxamento e meditação de imediato. Isso seria um insulto a um homem de finanças. Eu simplesmente o faço identificar coisas que estão drenando sua energia.

ÉPOCA - Os métodos recomendados para relaxamento em Sua Vida em Primeiro Lugar são todos orientais, do shiatsu ao reiki. A senhora acha que os chineses e japoneses têm mais a nos ensinar do que nós a eles?

Cheryl - Temos muito a aprender uns com os outros. Os chineses e japoneses ofereceram tantos presentes ao Ocidente que eles devem ser compartilhados por todo mundo.

ÉPOCA - Quantas semanas um personal coach precisa para mudar a vida de alguém?

Cheryl - Ah, seria maravilhoso se pudesse ser apenas um treinamento de semanas. O processo depende do estado do cliente, mas, em geral, o treinamento dura de um a três anos. De qualquer modo, jamais faço promessas. Ajudo pessoas a mudar suas vidas passo a passo e isso exige algum tempo. A boa notícia é que o alívio é imediato quando você assume o compromisso de praticar atos que façam diferença em sua vida.

'Terapia é um processo orientado que lida com a vida emocional e não tem nada a ver com a atividade do personal coach, cuja função é desenvolver estratégias de viver bem'

Fonte: http://revistaepoca.globo.com/Epoca/0,6993,EPT435435-1664,00.html