RODRIGO GERHARDT
Folha de S.Paulo
11/11/2004
Desenvolver habilidades, concretizar objetivos e ter uma vida mais satisfatória. Além dos livros e da terapia, surge um profissional que promete ajudar as pessoas a atingirem suas metas na vida: o "personal coach".
Até então restrito ao mundo corporativo, o "coaching" (treinamento, em inglês), processo de desenvolvimento humano e profissional que ajuda executivos a gerenciarem melhor a carreira, chega à esfera pessoal com a promessa de uma opção mais rápida, pragmática e prazerosa à tradicional terapia.
Especialistas em psicologia alertam, no entanto, para o modismo e cuidado na escolha do "coach".
Utilizando técnicas da neurolingüística, inteligência emocional e terapia cognitiva comportamental, o "coaching de vida", como foi batizada a nova vertente, pode ser aplicado para os mais diversos fins, desde parar de fumar até ajudar um homem a obter sucesso com uma mulher.
A diferença é que o foco não está no diagnóstico ou alívio de sintomas, mas no estabelecimento de metas e objetivos que devem ser atingidos em um prazo definido, ainda que os resultados não sejam garantidos. Por isso, quem utiliza o serviço é denominado cliente, não paciente.
No "coaching", o divã não existe. As sessões são feitas à base de muita conversa e podem custar entre R$ 80 a R$ 350 a hora. "Não são dadas soluções. É a própria pessoa que encontra suas respostas a partir das reflexões e ações que são levadas a tomar. Por isso, não é terapia, aconselhamento, treinamento, nem consultoria", explica Andréa Lages, autora de "Coaching com PNL -- O Guia Prático para Alcançar o Melhor em Você e em Outros"(ed. Qualitymark).
Há seis meses, a jornalista Paula Rigonatti, 31, concluiu o "coaching de vida" feito durante dois anos após assumir parte da empresa da família. "Descobri que eu era muito idealista, humanitária. Tinha dificuldade em dizer não às pessoas, não conseguia pechinchar. Aprendi a ser mais capitalista. Depois desse processo, até minha família me achou mais madura e segura", diz a agora empresária.
Modismo
Como a atividade é nova e não regulamentada, é preciso cuidado na escolha do profissional, algo difícil quando não existe uma associação ou federação que os recomende previamente.
Segundo profissionais que atuam na área, já há muitas pessoas sem formação que apenas mudam a denominação profissional nos cartões-de-visita para aproveitar o modismo.
As atribuições da atividade ainda não são claras, como "ajudar àqueles que estão insatisfeitos com a vida e não sabem porquê". Segundo o psicólogo e "coach" Rhady Di Stéfano, "problemas emocionais, como baixa auto-estima, traumas e depressão devem ser tratados na terapia".
Para especialistas em psicologia, a formação de profissionais é a maior preocupação e um fator de risco. Apesar de ter "coaches" da área da saúde, especialmente da psicologia, entre os seus alunos, os cursos são realizados por pessoas das mais diferentes áreas, variam de oito a 12 dias e, em algumas instituições, não é exigida formação superior ou podem ser feitos à distância.
Assim, mesmo sem um diploma universitário e com apenas 21 anos, Carlos Alberto David Cruz conseguiu ser certificado no curso que garante a entrada na comunidade internacional. "O 'coach' não deve ser um especialista nos assuntos do cliente, caso contrário, passaria a dar conselhos, a ser um guru ou consultor, o que já não seria mais 'coaching'. Nesse sentido, vejo a minha pouca idade como uma vantagem, tenho menos chances de interferência", diz Cruz, que trabalha atualmente com um jovem dois anos mais novo que ele.
Sem perceber resultados concretos na terapia que fez por mais de um ano, o estudante Giovanne Adamucci, 19, optou pela nova técnica há um mês. "Era agressivo, impulsivo, chegava sempre bêbado em casa, não assumia responsabilidades. Nas sessões de 'coaching' consegui definir objetivos e ir atrás do que eu quero", conta Adamucci, que voltou a trabalhar na empresa dos pais e se diz mais tranqüilo depois que passou a dialogar com a família. "Também quero fazer o 'coaching', mas para os negócios", diz a empresária Jane Adamucci, 51, mãe do estudante.
"É uma abordagem profissional interessante, mas que deve exigir uma formação em psicologia. É impossível ter um instrumental suficiente para avaliar se o indivíduo tem suporte emocional ou não para fazer o processo com oito dias de curso", opina José Roberto Leite, psicólogo e coordenador da unidade de medicina comportamental da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Compartilha da mesma opinião o psiquiatra do Hospital das Clínicas Luiz Cuschnir: "Se até mesmo um filme pode emocionar alguém, determinadas perguntas podem desencadear reações sérias em pessoas frágeis emocionalmente". Segundo Rhandy Di Stéfano, já há discussões para a criação de uma federação brasileira de "coach" para o primeiro semestre de 2005, o que pode contribuir, por exemplo, para a criação de um código de ética.
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